24 setembro 2010

O Mútuo e os Títulos Executivos - Breves Considerações

Dispõe a al. c) do art. 46º do Código de Processo Civil , em atenção as alterações introduzidas pelo Dec.- Lei nº 1/2005, de 27 de Dezembro que:

"À execução apenas podem servir de base... os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, ...".

Trata-se de uma disposição de uma importância inquestionável no âmbito da solução litigiosa dos conflitos. Permite-se, por esta via, que um documento particular (art. 373º do C.C.) assinado pelo devedor, sem necessidade de reconhecimento notarial, por via do qual se constitua ou reconheça determinada obrigação pecuniária, possa servir de base para a instauração de uma acção executiva, obviando, deste modo, a longa caminhada que muitas vezes caracteriza a acção declarativa.

Com esta disposição registou-se um alargamento dos títulos executivos, pois, o regime anterior impunha, como condição de admissibilidade, que os referidos documentos particulares tivessem a assinatura do devedor reconhecida notarialmente (vejam-se a al. c) do art. 46º e art. 51º, todos do C.P.C., na versão anterior a alteração introduzida pelo Dec-Lei nº 1/2005, de 27 de Dezembro), imposição esta que deixou de ser exigida.

Sucede, porém, que o Dec-Lei nº 3/2006, de 23 de Agosto (que entre outros aspectos, altera algumas disposições do Código Civil), aprovado quase 8 meses depois da alteração ao C.P.C. de 2005, veio restringir novamente o âmbito dos títulos executivos.

É que este diploma, alterando o art. 1143 do C.C., determina que "O contrato de mútuo* é válido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário, com assinatura reconhecida presencialmente". Ou seja, interpretando-o a contrario sensu, diz-se aqui que a inexistência de assinatura reconhecida presencialmente (pelo Notário, subentenda-se) do mutuário (devedor) determina a invalidade do contrato de mútuo.

Deste modo, quando a al. c) do art. 46º do C.P.C. se refere aos documentos particulares enquanto títulos executivos devemos entender que estão excluídos os contratos de mútuo que não contenham a assinatura do devedor reconhecida presencialmente pelo Notário.
É verdade que a necessidade de segurança jurídica impõe, em determinadas situações, a necessidade de introdução de determinada forma especial como condição de validade de certos negócios jurídicos, mas, essa mesma necessidade deve também ser temperada por uma outra, que é a da celeridade dos negócios.

É que a necessidade de observância daquele requisito de validade do contrato de mútuo obriga a que, por exemplo, o empréstimo de 500,00MT (cerca de 13,80USD), ou mesmo de uma quantia abaixo desta, somente seja válido se, primeiro, se reduzir o contrato a escrito, e depois, se contiver a assinatura do mutuário (aquele que pede emprestado) reconhecida presencialmente perante Notário. Se é certo que a redução a escrito pode não servir de obstáculo igual afirmação não podemos reservar para o reconhecimento presencial da assinatura do mutuário. É, certamente, um contra-estimulo a celeridade dos negócios jurídicos, em particular, do contrato de mútuo, principalmente nos Distritos, eleitos polos de desenvolvimento deste nosso vasto Moçambique que estão menos equipados com instituições públicas, mormentes os Cartórios Notariais.

Poderia pois o Legislador, em relação ao mútuo, condicionar a sua validade a redução a escrito, mas impôr a necessidade do reconhecimento presencial da assinatura a partir de determinada quantia, libertando-se daquele formalismo os contratos que incidissem sobre quantias inferiores àquela. Frise-se que solução semelhante já constava do texto primitivo do art. 1143º do C.C. que exigia a escritura pública, como condição de validade, para o mútuo de valor superior a 20 Mil Escudos (moeda que esteve em curso em Portugal).

Isso permitiria, por um lado, a flexibilização da celebração do contrato de mútuo quando o mesmo incidisse sobre valores de pequena importância, e por outro, a segurança para o comércio jurídico pela imposição da redução do contrato à forma escrita (para mútuo de pequena importância) e (para além da redução à escrito) do reconhecimento presencial da assinatura (para mútuo de grande importância).

Claro que ficaria por determinar os limites de pequena e grande importância... mas isso muito facilmente se conseguiria, podendo usar-se um critério que visasse determinar um valor fixo ou então usar um critério análogo ao da Lei do Trablho (para efeitos de fixação da indemnização) ou da Lei da Organização Judiciária (para efeitos de fixação da competência dos tribunais), que é o dos salários mínimos.

* Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade" - art. 1142º do C.C.